quinta-feira, abril 05, 2007

Carta ao Primeiro Ministro

Sr. Primeiro Ministro,

Eu sou o Jorge e gostava de lhe falar um pouco de mim.

Nao me conhece porque eu sou de uma família humilde e trabalhadora e nao bebemos café na mesma pastelaria, até porque eu nao bebo café, assim poupo mais uns euros.

Uma vez passei por si no "El Corte Inglés", estava sozinho, com um casaco de cabedal preto porque na altura ainda nao era primeiro ministro.

Sou um jovem arquitecto, recém formado, numa dessas fornadas anuais das universidades privadas de jovens licenciados cheios de ilusao e de vontade de trabalhar, de provar na prática o que em teoria aprenderam.

Os meus pais fizeram o esforço para me pagar um curso numa universidade privada em Lisboa, porque só tinha média para tentar entrar em Coimbra na pública e tornava-se mais caro.
Estudei sempre em horário pós-laboral e ia trabalhando de dia, sempre que arranjava algo para fazer, nem que fosse ajudar o meu pai no seu trabalho.

Fiz um ano de estágio num atelier de Lisboa. Foram doze meses sem receber nada para além de conhecimento da profissao.
Estive a trabalhar num atelier a fazer levantamentos de edifícios e desenho em autocad (o programa de computador de desenho assistido que a maioria dos arquitectos utilizam).

Depois do estágio e do trabalho, que acabou por falta de levantamentos para fazer, comecei a dar aulas de karaté porque desde que acabei o estágio nao tinha parado de procurar emprego, mas nunca com sucesso.

Um dia respondi a um anuncio, no "site" da Ordem dos Arquitectos Portugueses, para ir trabalhar para Espanha e pensei no que um país me oferecia e podia fazer por mim, e no que outro país me oferecia e podia fazer por mim.

Estou em Espanha faz quase um ano e sofro de uma doença comum nos meus companheiros de profissao e de situaçao de trabalho: o síndroma de emigrante.

Deixe-me explicar o que quero dizer com isto. É uma espécie de revolta interior, de inconformismo, de saudade, de angústia e de frustraçao. Em especial quando me perguntam porque é que eu vim para Espanha trabalhar...

Queria pedir-lhe, como se do Pai Natal se tratasse, que arranjasse emprego para os jovens arquitectos, para os jovens biólogos, para os jóvens psicólogos, para os jovens publicitários, para os jovens que têm talento, mas que nao têm oportunidade de demonstrá-lo, pelo menos no seu país, pelo menos com dignidade.

Se calhar nao tenho capacidade suficiente para trabalhar no meu país, ou nao, nao consegui sequer experimentar.

O choque de que falou na sua campanha, e que me fez votar em si, começa pela sociedade, começa numa preocupaçao humanista que resulta num bem estar que nao se reflecte na cara dos portugueses como eu. Devo dizer-lhe que, como eu, existem muitos portugueses, demasiados portugueses.

Espero que um dia lhe chegue uma carta como esta, cheia de uma "diplomacia" que disfarça muitos outros sentimentos.

Desejo-lhe sorte, e saudinha, que é o que é preciso.

Jorge.

P.S.Como pode ver, escrevo-lhe de Espanha, onde os teclados sao tao espanhóis que o único til que têm é no "ñ"...